Nunca pensei que o voltaria a ver. Não depois de todos estes anos. Não depois de ele me ter salvado a vida naquela noite de nevasca e ter desaparecido sem deixar rasto. Mas lá estava ele, sentado na estação de metro, com a mão estendida para pedir esmola. O homem que outrora me salvou agora precisava de ser salvo.
Por algum tempo, fiquei ali parada, olhando para ele.

Isso me lembrou daquele dia. Do frio penetrante, dos meus dedinhos congelados e do calor das suas mãos ásperas, levando-me para um lugar seguro.
Passei muitos anos imaginando quem ele era, para onde tinha ido e se ainda estava vivo.
E agora o destino o colocou novamente diante de mim. Mas será que eu posso ajudá-lo da mesma forma que ele me ajudou?
Não tenho muitas lembranças dos meus pais, mas lembro-me dos rostos deles.
Lembro-me claramente do calor do sorriso da minha mãe e da força das mãos do meu pai. E também me lembro da noite em que tudo mudou.
A noite em que descobri que eles não voltariam.
Eu tinha apenas cinco anos quando eles morreram num acidente de carro e, na época, eu nem entendia direito o que era a morte. Fiquei esperando na janela por vários dias, certa de que eles entrariam pela porta a qualquer momento. Mas eles nunca entraram.
Logo, a minha realidade passou a ser o sistema de famílias adotivas.

Passei por orfanatos, lares coletivos, famílias temporárias, sem encontrar meu lugar em lugar nenhum.
Alguns pais adotivos eram bons, outros indiferentes e alguns francamente cruéis. Mas, onde quer que eu estivesse, uma coisa permanecia inalterável.
Eu estava sozinha.
Naquela época, a escola era o meu único refúgio.
Mergulhei nos livros, decidida a construir um futuro para mim. Trabalhei mais do que qualquer outra pessoa, superando a solidão e a insegurança. E isso deu frutos.
Ganhei uma bolsa para estudar na faculdade, depois passei pela faculdade de medicina e acabei por me tornar cirurgião.
Agora, aos 38 anos, vivo a vida pela qual lutei. Passo longas horas no hospital, faço cirurgias que salvam vidas e mal paro para respirar.
É exaustivo, mas eu adoro isso.

Às vezes, à noite, ao passar pelo meu apartamento luxuoso, penso em como os meus pais ficariam orgulhosos de mim. Gostaria que eles pudessem me ver agora, na sala de cirurgia, mudando o mundo para melhor.
Mas há uma lembrança da minha infância que nunca desaparece.
Eu tinha oito anos quando me perdi na floresta.
Havia uma nevasca terrível, tão forte que cegava a visão e todas as direções pareciam iguais. Eu me afastei demais do abrigo onde estava hospedada.
E, antes que eu percebesse, estava completamente sozinha.
Lembro-me de gritar por socorro. As minhas pequenas mãos estavam dormentes de frio e o meu casaco era demasiado fino para me proteger. Estava aterrorizada.
E então… ele apareceu.
Vi um homem envolto em camadas de roupas esfarrapadas. A sua barba estava coberta de neve e os seus olhos azuis estavam cheios de preocupação.

Quando ele me viu, tremendo e assustada, imediatamente me pegou nos braços.
Lembro-me de como ele me carregou através da tempestade, protegendo-me do vento forte. Como gastou os seus últimos dólares para me comprar chá quente e uma sanduíche num café à beira da estrada. Como chamou a polícia e se certificou de que eu estava em segurança, e depois desapareceu na noite, sem esperar por um agradecimento.
Isso foi há 30 anos.
Nunca mais o vi.
Até hoje.
No metro reinava o caos habitual.
As pessoas apressavam-se para o trabalho, e num canto havia um músico de rua a tocar. Eu estava exausto após um longo turno e absorto nos meus pensamentos quando o meu olhar se fixou nele.

A princípio, não percebi por que ele me parecia familiar. O seu rosto estava escondido por uma barba grisalha, e ele vestia roupas esfarrapadas. Os ombros estavam caídos para a frente, como se a vida o tivesse esgotado.
Quando me aproximei dele, o meu olhar pousou em algo muito familiar.
A tatuagem no antebraço dele.
Era uma pequena âncora desbotada, que imediatamente me lembrou do dia em que me perdi na floresta.
Olhei para a tatuagem, depois para o rosto do homem, tentando lembrar-me se era mesmo ele. A única maneira de ter a certeza era falar com ele. E foi o que fiz.
«É mesmo você? Mark?»
Ele olhou para mim, tentando estudar meu rosto. Eu sabia que ele não me reconheceria, porque eu era apenas uma criança quando ele me viu pela última vez.

Engoli em seco, tentando conter as minhas emoções. «Você salvou-me. Há trinta anos. Eu tinha oito anos e estava perdida na neve. Você levou-me para um lugar seguro.»
Nesse momento, os seus olhos arregalaram-se de reconhecimento.
«Uma menina pequena…», disse ele. «Durante uma tempestade?»
Eu acenei com a cabeça. «Sim. Era eu.»
Mark riu baixinho e abanou a cabeça. «Nunca pensei que voltaria a vê-la.»

Sentei-me ao lado dele no banco frio do metro.
«Nunca esqueci o que fez por mim.» Hesitei antes de perguntar: «Você… viveu assim todos estes anos?»
Ele não respondeu imediatamente. Em vez disso, coçou a barba e virou-se. «A vida pode tirar-nos do caminho. Algumas pessoas levantam-se. Outras não.»
Naquele momento, o meu coração se partiu. Eu sabia que não podia simplesmente ir embora.
«Venha comigo», eu disse. «Deixe-me oferecer-lhe uma refeição. Por favor.»

Ele hesitou, o seu orgulho não permitia que ele aceitasse, mas eu não aceitei a recusa.
Por fim, ele acenou com a cabeça.
Entrámos numa pequena pizzaria nas proximidades e, pela forma como ele comia, percebi que não comia normalmente há muito tempo. Contive as lágrimas enquanto o observava. Ninguém deveria viver assim, especialmente alguém que outrora deu tudo para ajudar uma menina perdida.
Depois do jantar, levei-o a uma loja de roupas e comprei-lhe roupas quentes. No início, ele protestou, mas eu insisti.

«É o mínimo que posso fazer por si», disse-lhe.
No final, ele concordou e passou a mão pelo casaco, como se tivesse esquecido o que era o calor.
Mas ainda não tinha terminado de o ajudar.
Levei-o a um pequeno motel nos arredores da cidade e reservei um quarto para ele.
«É só por enquanto», assegurei-lhe, quando ele hesitou. «Mereces uma cama quente e um banho quente, Mark.»

Ele olhou para mim com algo que eu não consegui entender. Acho que era gratidão. Ou talvez descrença.
«Não precisas fazer tudo isso, miúdo», disse ele.
«Eu sei», respondi suavemente. «Mas eu quero.»
Na manhã seguinte, encontrei Mark perto do motel.
O cabelo dele ainda estava molhado após o banho e, com roupas novas, ele parecia uma pessoa completamente diferente.

«Quero ajudá-lo a se reerguer», disse eu. «Podemos recuperar os seus documentos, encontrar um lugar para você morar por um longo período. Eu posso ajudar.»
Mark sorriu, mas havia tristeza nos seus olhos. «Agradeço, meu. Agradeço muito. Mas não me resta muito tempo.»
Franzi a testa. «O que quer dizer?»
Ele exalou lentamente, olhando para a rua. «Os médicos dizem que o meu coração está a falhar. Não há muito que possam fazer. Eu também sinto isso. Não vou aguentar muito tempo.»
«Não. Deve haver alguma coisa…»

Ele abanou a cabeça. «Eu aceitei isso.»
Então, ele sorriu para mim. «Há apenas uma coisa que eu gostaria de fazer antes de partir. Quero ver o oceano pela última vez.»
«Tudo bem», consegui dizer. «Eu levo-te. Vamos amanhã, está bem?»
O oceano ficava a cerca de 350 milhas, por isso tive de tirar um dia de folga do hospital. Pedi ao Mark para vir ter comigo no dia seguinte, para que pudéssemos ir juntos, e ele concordou.

Mas assim que nos preparávamos para partir, o meu telefone tocou.
Era do hospital.
«Sofia, precisamos de si», disse o meu colega com urgência. «Acabou de chegar uma jovem. Hemorragia interna grave. Não temos outro cirurgião disponível.»
Olhei para o Mark quando terminei a conversa.
«Eu…» A minha voz falhou. «Preciso de ir.»

Mark acenou com a cabeça, compreensivo. «Claro que precisas. Vai e salva aquela rapariga. É o que deves fazer.»
«Sinto muito», disse eu. «Mas vamos mesmo assim, prometo.»
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Ele sorriu. «Eu sei, querida.»
Corri para o hospital. A operação foi longa e exaustiva, mas correu bem. A menina sobreviveu. Eu deveria sentir alívio, mas tudo em que conseguia pensar era no Mark.

Assim que terminei, voltei imediatamente para o motel. As minhas mãos tremiam quando bati à porta dele.
Não houve resposta.
Bati novamente.
Ainda nada.
Pedi ao funcionário do motel para abrir a porta e senti um aperto no estômago.

Quando ela se abriu, o meu coração se partiu em mil pedaços.
Mark estava deitado na cama, com os olhos fechados e o rosto tranquilo. Ele se fora.
Fiquei parada, incapaz de me mover. Não conseguia acreditar que ele não estava mais lá.
Prometi levá-lo ao oceano. Prometi.
Mas cheguei tarde demais.

«Sinto muito», sussurrei, enquanto lágrimas escorriam pelo meu rosto. «Sinto muito por ter chegado tarde demais…»
Nunca consegui levar o Mark ao oceano, mas fiz questão de que ele fosse enterrado na praia.
Ele saiu da minha vida para sempre, mas ensinou-me uma coisa: ser bondoso. A bondade dele salvou a minha vida há 30 anos e agora eu carrego-a comigo.
Em cada paciente que trato, em cada estranho que ajudo e em cada problema que tento resolver, levo comigo a bondade de Mark, na esperança de dar aos outros a mesma compaixão que ele um dia demonstrou por mim.

Esta obra é inspirada em eventos e pessoas reais, mas é fictícia para fins criativos. Os nomes, personagens e detalhes foram alterados para proteger a privacidade e melhorar a narrativa. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, ou eventos reais é mera coincidência e não é intencional por parte do autor.
O autor e o editor não pretendem garantir a exatidão dos acontecimentos ou da representação das personagens e não se responsabilizam por qualquer interpretação incorreta. Esta história é apresentada «tal como está», e quaisquer opiniões expressas nela pertencem às personagens e não refletem
